Nizan Guanaes: O Visionário da Publicidade Brasileira
Nizan Guanaes é um dos nomes mais emblemáticos da publicidade brasileira, um baiano que transformou sua visão criativa e estratégica em um império publicitário.
Formado em administração, Nizan não planejava seguir a publicidade. Estagiou no Banco Econômico, mas achou a área financeira “nada a ver”.
Foi Duda Mendonça, amigo da família, quem o apresentou ao mundo da propaganda. “Foi amor à primeira vista”, conta. Duda, seu “Mestre Yoda”, ensinou-o a criar com disciplina: “Faça 50 títulos, tome um café e faça mais cinco”.
Essa abordagem prática, longe da romantização da inspiração, moldou sua visão. “Inspiração é coisa de amador. É transpiração”, afirma, citando Fernanda Montenegro: “É preciso ensaiar muito para ser natural”.
Nizan passou por mestres que ampliaram sua perspectiva: Roberto Medina, com eventos como o Rock in Rio; Washington Olivetto, com a sofisticação da W/Brasil; e Geraldo Walter, no marketing político. Cada um trouxe uma faceta da publicidade — popular, sofisticada, estratégica — que ele incorporou à sua trajetória.
Fundador da agência DM9, que mais tarde se uniu à gigante global DDB para formar a DM9DDB e da Agência Africa, Guanaes revolucionou o mercado com campanhas memoráveis, uma abordagem pragmática da criatividade e um compromisso profundo com a responsabilidade social.
Em 1997, o Brasil brilhou no Festival de Publicidade de Cannes, conquistando 17 Leões, o prêmio mais prestigiado do setor.
A DM9, liderada na altura por Guanaes, foi a agência mais premiada, com dois Leões de Ouro e dois de Prata, consolidando o país como uma potência criativa global.
Guanaes atribuiu esse sucesso à criatividade inata do Brasil, evidente em áreas como futebol, literatura e televisão. “O Brasil tem uma televisão de qualidade, o que eleva o padrão dos comerciais”, afirmou, explicando como a sofisticação da programação nacional impulsionou a publicidade, mesmo em um país considerado de “terceiro mundo”.
Sua filosofia publicitária era direta: a criatividade é uma ferramenta, mas não um fim. “Nem sempre a criatividade é a solução. Às vezes, é melhor copiar o que já funciona”, disse, comparando a eficiência da natureza, que replica padrões, à necessidade de soluções práticas na publicidade.
Um exemplo foi a campanha “Mamíferos” da Parmalat, que, apesar de ser considerada “fofinha” por alguns publicitários, na epoca aumentou a presença da marca de 15% para 90% dos lares brasileiros, com um orçamento seis vezes menor que o da Nestlé.
DM9DDB: Uma Parceria Global com Raízes Locais
A fusão da DM9 com a DDB, parte do grupo Omnicom, em 1997, marcou um momento decisivo na sua trajetoria. Em 1989 ele comprou a agência com Guga Valente, e tiveram o banco Icatu como financiador da empreitada.
Nizan montou um “dream team” com talentos como Marcello Serpa, Guga Valente e Camila Franco, o que garantiu prêmios e crescimento.
Em 1997 e 1998, a DM9 foi bicampeã em Cannes, um feito celebrado com uma festa no mesmo local onde Olivetto comemorara anos antes.
Guanaes rejeitou a ideia de que a decisão de venda foi motivada por dinheiro, já que a DM9 cresceu 46% e saltou do oitavo para o quarto lugar entre as maiores agências brasileiras.
A escolha pela DDB foi estratégica: “Queria um parceiro ideal, com valores alinhados e acesso a tecnologia, pesquisa global e clientes de peso”.
Fundada por Bill Bernbach, um dos publicitários mais influentes do mundo, a DDB trouxe à DM9DDB uma rede global sem apagar sua identidade brasileira.
Apesar do sucesso, Nizan reconhece erros. Seu estilo de liderança na DM9, por vezes agressivo, refletia o contexto da época, marcado por propagandas sexistas e um ambiente menos sensível.
“Era um outro mundo, mas Marcello Serpa, da mesma era, tratava as pessoas melhor. Eu era babaca”, admite. Ele enfrentou resistência em São Paulo por ser baiano, mas destaca que muitos cresceram com ele, ganhando visibilidade e dinheiro.
Outro erro foi a falta de critério em investimentos. No iG, a bolha da internet e uma composição acionária complexa, com nomes como Daniel Dantas e Sérgio Andrade, dificultaram a gestão. No grupo ABC, fundado após a criação da agência África, ele lamenta não ter construído uma cultura unificada.
“Deixei o RH ser só RH. Cultura atrai e afasta talentos”, reflete. Ele também cita negligenciar a saúde física e mental como um erro grave, corrigido após uma cirurgia bariátrica em 2006.
Nizan aprendeu a errar rápido, inspirado por Juscelino Kubitschek: “Com o erro, não há compromisso”.
Sua palestra “Merdas que Fiz” é um sucesso porque humaniza sua jornada, mostrando que tropeços são parte do crescimento. “A hora que você se acha, é prato cheio para tropeçar”, alerta.
Engajamento Político e Visão Nacional
Guanaes marcou ainda história do marketing político ao contribuir para a eleição de Fernando Henrique Cardoso em 1994.
No Roda Viva, ele defendeu o Plano Real como um sucesso substantivo, não apenas um golpe publicitário, mas criticou a comunicação do governo: “Falta vontade de explicar para onde o país está indo”. Ele comparou a liderança de Cardoso à de Moisés, que guiou seu povo pelo deserto, sugerindo que a publicidade deveria esclarecer as reformas e os rumos nacionais, não apenas buscar popularidade.
Sua visão para o Brasil era ambiciosa. Ele propôs aproveitar os 500 anos do país, em 2000, para reposicionar sua imagem global, superando estereótipos de “samba e mulatas”.
“O Brasil é a próxima grande potência, mas é caipira, modesto”, disse, sugerindo eventos como shows com cantores negros brasileiros e americanos, regatas internacionais e feiras industriais em Nova York. Ele criticou a falta de investimento na marca Brasil: “A verba da Embratur não espalha nem boato”.
Guanaes também expressou preocupação com o marketing do Carnaval da Bahia, que considerava restrito e repetitivo. “A Bahia é mais que trios elétricos. É terra de museus, poesia e história”, afirmou, defendendo maior destaque para blocos afros e uma narrativa mais ampla da cultura baiana.
Reinvenção e Saúde: A Virada com a Bariátrica
Em 2006, após anos de excessos — fumo, bebida e trabalho intenso —, Nizan enfrentou um alerta de saúde.
O médico Roberto Kalil o apresentou ao Dr. Guerra, que foi direto: “Você vai morrer como seu pai, aos 45”. A bariátrica marcou uma virada, mas ele enfatiza a importância do preparo psicológico. “Sem esporte e cuidado mental, você troca um vício por outro”, diz. A frase do Dr. Guerra,
“Você aguenta ser feliz?”, tornou-se um mantra, inspirando um livro sobre sua experiência com alcoolismo, depressão e saúde mental.
Hoje, Nizan cuida da saúde mental de seus funcionários na N Ideias, rejeitando o trabalho aos fins de semana. Ele reconhece a epidemia global de saúde mental, citando Winston Churchill e Santa Terezinha, que enfrentaram depressão. “Ninguém fala de problemas na sociedade do sucesso. No Instagram, todos somos felizes como propaganda de margarina”, critica.
N Ideias: Estratégia em um Mundo Ágil
Após vender o grupo ABC em 2015 por 1 bilhão de reais, Nizan fundou a N Ideias, uma empresa enxuta com 10 colaboradores e foco em estratégia.
“O valor está na arquitetura, não na engenharia”, diz. Diferentemente das agências tradicionais, com custos altos e margens apertadas, a N Ideias trabalha em rede, oferecendo desde silêncio estratégico até embalagens e conteúdo.
Com apenas oito clientes, incluindo “o Brasil”, Nizan se dedica profundamente, rejeitando projetos que não o inspiram, como a Associação Brasileira de Usinas Nucleares.
Ele critica a falta de estratégia na publicidade atual. “Falta tempo e estrutura de custos para os talentos se dedicarem. Quem tem custo, tem medo”, afirma. Sua formação em administração e estudos contínuos, como o OPM de Harvard, reforçam seu diferencial como estrategista.
O propósito da N Ideias é “cuidar do bom e do bem”, refletindo seu compromisso com causas sociais, como a Unesco e a comunicação de projetos como Onçafari e Leite das Ervas.
Nizan vê o futuro da publicidade como híbrido, unindo o físico e o digital. Ele critica a saída de marcas tradicionais da TV, destacando que grandes anunciantes digitais, como a Globo, investem em televisão. “Pensar fora da caixa é pensar dentro da caixa. O rádio, como a Jovem Pan, é um fenômeno”, diz.
Lições para Empreendedores
Nizan recomenda estudar o passado para entender o futuro. Livros como Aristotle’s Way, biografias de Benjamin Franklin e Leonardo da Vinci, e Organizações Exponenciais são leituras essenciais.
Sua maior lição é a resiliência. “Comecei com menos que zero, mas quando cheguei ao zero, estava animado”, lembra. Para ele, o sucesso não é chegar ao topo, mas inventar novos topos, vivendo com propósito, estratégia e leveza.
Nota: Este artigo baseia-se em várias entrevistas de Nizan Guanaes ao longo dos anos, complementada por reflexões de sua trajetória.