Globo: como Roberto Marinho fundou a rede de mídia que domina o Brasil
Roberto Marinho viveu “98 anos, oito meses, três dias, cinco horas e trinta minutos”, durante grande parte desse período de vida , ele comandou o maior grupo de televisão comercial aberta brasileira, hoje são mais de 123 emissoras próprias e afiliadas da TV Globo.
Como ele criou esse grande império que passou por várias fases da política controversa brasileira pouca gente entende….
Aos seis anos de idade, Roberto Marinho levou um soco que o derrubou no pátio do colégio Paula Freitas.
O golpe, desferido por um colega, não foi apenas uma pancada física, mas um marco na formação do futuro magnata da comunicação.
"Foi a memória oculta, inconfessa, da criança nocauteada que o impeliu para o combate", escreve Eugênio Bucci na biografia do empresário.
O episódio da "pancada inaugural", que abre e fecha a narrativa de Bucci, simboliza a trajetória de um homem que transformou desafios em combustível para o sucesso.
De um menino que aprendeu cedo o significado da coragem, Marinho tornou-se o fundador de um império midiático que redefiniu a comunicação no Brasil.
Seu nome se entrelaça à história da TV Globo, da imprensa nacional e do poder da informação. Mas o que fez dele um líder tão resiliente?
Como a criança derrubada no pátio escolar ergueu-se para construir um dos maiores conglomerados de mídia do mundo?
Dos Bastidores à Liderança: A Ascensão de Roberto Marinho
A história da Rede Globo remonta a 1925, quando Irineu Marinho fundou o jornal O Globo. No entanto, seu legado quase foi interrompido precocemente: no mesmo ano da fundação, Irineu faleceu vítima de um ataque cardíaco, deixando a empresa nas mãos do filho Roberto Marinho, então com apenas 21 anos.
Sem se sentir preparado para assumir um cargo tão importante, Roberto delegou a administração do jornal ao experiente jornalista Euricles de Matos e, em vez de ocupar diretamente a posição de comando, dedicou-se ao aprendizado.
Trabalhou como repórter, acompanhou de perto o funcionamento da redação e absorveu a essência do jornalismo impresso.
Esse período foi crucial para que ele adquirisse a experiência necessária para, anos depois, transformar a empresa familiar em um gigante das comunicações.
Em 1931, Roberto finalmente assumiu a presidência de O Globo e começou a expandir seu alcance.
Seu olhar estratégico permitiu que o jornal crescesse em influência, preparando o terreno para um passo ainda mais ousado: a entrada no setor audiovisual.
O Brasil ainda engatinhava no desenvolvimento da televisão, mas Marinho enxergava ali uma oportunidade promissora.
Sua visão de futuro foi concretizada em 1957, quando, durante o governo de Juscelino Kubitschek, ele obteve a concessão para operar um canal de TV aberta. Esse foi o embrião do que viria a se tornar a maior emissora do país.
A transição do impresso para a televisão não foi apenas uma mudança de meio, mas uma revolução na forma de comunicar.
Roberto Marinho compreendeu que a televisão tinha o poder de alcançar milhões de pessoas simultaneamente e, com esse entendimento, estruturou uma rede que logo se tornaria referência em qualidade e inovação.
Seu espírito de combate – que nasceu ainda na infância, com o soco inesperado de seu colega – mais uma vez se manifestou, impulsionando-o a enfrentar desafios e a consolidar um império midiático que moldaria a cultura brasileira.
Nos próximos trechos, vamos explorar como Roberto Marinho construiu a Rede Globo e quais foram as estratégias que a tornaram líder de audiência e influência por décadas.
A trajetória da Rede Globo como gigante da comunicação brasileira está intrinsecamente ligada aos acontecimentos políticos do país.
Antes mesmo de estrear na televisão, o Brasil passava por uma grande turbulência política que culminaria no golpe militar de 1964.
Naquele ano, o então presidente João Goulart reuniu cerca de 300 mil pessoas na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, para anunciar medidas como a estatização de refinarias de petróleo e uma reforma agrária ampla.
Seu governo era visto como alinhado ao socialismo, o que gerou reações contrárias por parte de setores conservadores da sociedade.
Um dos movimentos mais expressivos contra Goulart foi a "Marcha da Família com Deus pela Liberdade", que levou 500 mil pessoas às ruas de São Paulo em protesto contra o governo.
Roberto Marinho, fundador da Rede Globo, apoiou ativamente o movimento e a derrubada de Goulart. Em um editorial publicado em 7 de outubro de 1984, ele reafirmou sua posição:
“Participamos da Revolução de 1964, identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada.”
Com a ascensão dos militares ao poder, a Rede Globo consolidou-se como um aliado estratégico do novo regime.
O Globo não estava sozinho no apoio aos militares. Em uníssono, a imprensa vendia o peixe da redentora revolução para salvar a democracia
Esse apoio resultou em benefícios diretos para o grupo, como o recebimento de verbas públicas expressivas, autorização para a criação de novas emissoras pelo país e a ausência de qualquer penalização ou obstrução na sua crescente expansão.
Em 1962, um acordo assinado entre Time-Life e as Organizações Globo (atual grupo Globo), holding de Roberto Marinho, proporcionou a Marinho o acesso a um capital em torno de 6 milhões de dólares, o que lhe garantiu recursos para comprar equipamentos e infraestrutura para a Globo.
Em troca, a Time-Life teria participação em 30% de todos os lucros auferidos pelo funcionamento da TV Globo. Como comparação, a maior TV brasileira na época, a TV Tupi, tinha sido construída com um capital em torno de US$ 300.000.
Pragmático, Marinho não acreditava em balelas, tais como ideologia.
Mesmo sendo tão solícito com a ditadura, adentrou os anos da redemocratização. Em meados dos anos 80, quando os generais eram mandados de volta aos quartéis, tinha na conta bancária 1 bilhão de dólares.
Ao ser questionado por Ulysses Guimarães do porquê de haver escolhido o baiano Antônio Carlos Magalhães para ministro das Comunicações, o então eleito Tancredo Neves deu a letra: “Olha, Ulysses, eu brigo com o papa, brigo com a Igreja Católica, brigo com o PMDB, eu só não brigo com o doutor Roberto”.
De um garoto inicialmente tímido, filho de uma família de classe média que acenderia socialmente nas primeiras décadas do século XX, até se firmar como o barão da mídia, mais poderoso do que muitos presidentes. "Com sorte, determinação, disciplina e malícia, além de jogo de cintura, o jornalista bem-informado e bem relacionado logo subia na vida", escreveu Bucci.
"Não graças a bons salários, mas ao bom trânsito. Quando alcançava o olimpo dos abonados, convidava os poderosos para jantar em sua residência e, nessas ocasiões, era o melhor amigo de infância dos governantes."
Segundo a pesquisa Monitoramento da Propriedade da Mídia, financiada pelo governo da Alemanha, no seculo passado, a audiência da Rede Globo sozinha superava a soma do segundo, terceiro, quarto e quinto maiores grupos televisivos do Brasil.
A emissora atingiria 100% das áreas do país com sinal de TV aberta, além de possuir diversos canais pagos e rádios.
Mesmo após o fim da ditadura, a emissora manteve sua influência e hegemonia, moldando o cenário da comunicação no país.
A história da Rede Globo e sua relação com o poder é cheia de nuances e detalhes que ainda precisam ser explorados.
Na próxima parte, vamos aprofundar como a emissora se adaptou ao fim do regime militar, sua influência na redemocratização e o papel que desempenha na política e na mídia até os dias de hoje.
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