As lições de Abilio.
Esta é a minha singela homenagem ao maior exemplo de empreendedorismo brasileiro.
As reações que se seguiram ao anúncio do falecimento de Abilio Diniz são um grande atestado da importância em vida desse grande empreendedor.
Eu como grande admirador e estudioso da sua trajetória não poderia deixar passar a oportunidade de contar para vocês a historia desse grupo que começou humildemente em São Paulo e se expandiu para o resto do mundo…
Valentim dos Santos Diniz, nascido em Pomares do Jarmelo, Portugal, aldeia de Beira Alta, quase divisa com a Espanha, em 1913, filho de comerciantes, mudou-se para o Brasil aos 16 anos de idade.
Ao chegar em São Paulo, foi morar com José Tenreiro, seu tio-avô, que trabalhava na Companhia Antárctica Paulista e, duas semanas mais tarde já trabalhava como entregador e caixeiro do Real Barateiro, um grande empório que vendia no atacado e no varejo e ainda importava mercadorias. Este foi seu primeiro e único emprego.
Após casar-se com Floripes, descendente de portugueses e dois anos mais nova que ele, em 15 de fevereiro de 1936, deixou o antigo emprego e montou uma pequena mercearia na rua Vergueiro, bairro do Paraíso.
No ano seguinte, seu antigo patrão convidou-o como sócio e fundaram a Padaria Nice.
Este estabelecimento foi crescendo e, em 1945 já contava com 28 carrocinhas para entrega de pães, utilizando 68 cavalos para garantir duas saídas de entrega.
Apesar da padaria estar indo bem, Valentim sonhava em ter seu próprio negócio, sem contar com sócios. Por isso, montou paralelamente a esta padaria, a Panificadora e Mercearia Lalys, na rua Tamandaré, onde foi cultivando estratégias de negócios e de clientes para o futuro.
Uma vez certo de sua intenção, vendeu sua parte na sociedade da Padaria Nice e comprou duas casas na avenida Brigadeiro Luís Antônio, 3.0134 e 3.138. Este endereço ficou famoso porque é o lugar onde foi inaugurada, no dia 7 de setembro de 1948, a Doceria Pão de Açúcar Doces e Salgados Finos, que contava com quarenta funcionários.
Em 1952 duas filiais da Doceria Pão de Açúcar surgiram no centro da cidade.
Uma na Praça Clóvis Bevilácqua, 21 e outra na rua Barão de Paranapiacaba, 97.
Do ponto de vista administrativo, o ano de 1956 foi um marco, uma vez que Abílio, aos 19 anos e ainda freqüentando o curso de Administração da FGV, passou a trabalhar com seu pai.
Num país que chegava aos 50 milhões de habitantes em meados do século passado e quando os supermercados já completavam vinte anos de experiência nos Estados Unidos e começavam a se expandir no Brasil, Valentim e Abílio começaram a pensar na idéia de entrar neste novo ramo de negócios.
Em abril de 1959, o Supermercado Pão de Açúcar foi inaugurado na Avenida Brigadeiro Luiz Antônio, ao lado da doceria de mesmo nome.
Seu Valentim não podia imaginar que, em algumas décadas, essa seria apenas a primeira loja da maior rede varejista do Brasil.
Na época da abertura do negócio, Abilio Diniz, recém-formado em Administração, pensava em fazer pós-graduação nos EUA. Prestes a viajar, seu pai lhe propôs o cargo executivo da nova empresa. Abilio mudou seus planos e aceitou o desafio.
Para iniciar este novo ramo de atividades, o fundador da empresa desistiu de construir um prédio de apartamentos no terreno adquirido e construiu um prédio com térreo e primeiro andar.
Embaixo iria experimentar-se na gestão do supermercado, enquanto no piso superior estabeleceria uma estrutura de serviços da Doceria, instalando um salão de recepções com capacidade para mais de 500 convidados.
Em 1963 só havia 20 supermercados na cidade de São Paulo e os fundadores do Pão de Açúcar sabiam que era fundamental aumentar o número de lojas se quisessem que as donas de casa trocassem as feiras livres pelo auto-serviço.
Este também era o momento do início de grandes transformações, quando a população nacional deixava o campo em busca dos empregos oferecidos pela nova onda de industrializações da política dos “50 anos em 5 anos” de Juscelino Kubitschek.
Em agosto de 1965 foi comprada a rede pioneira de auto-serviço, o Sirva-se, com suas três lojas. A aquisição teve significado emblemático porque a empresa era o símbolo da implantação do auto-serviço no país.
Com a aquisição, o Pão de Açúcar ficou 50% maior de um dia para outro.
Esta expansão foi acompanhada de um planejamento rigorosamente preparado por Abílio Diniz, contando com assessoria de diversos consultores da FGV e de Luiz Carlos Bresser Pereira, que ocupava o cargo de Diretor Administrativo na empresa.
Esta “retaguarda técnica” fazia projeções ano a ano e ajudava a concretizar o objetivo estabelecido, de continuar crescendo, tanto via construções como através de aquisições.
Graças à sua capacidade de expansão, no Brasil e no exterior, diversificando seus negócios e adquirindo concorrentes na área do comércio de auto-serviços, o Pão de Açúcar “atingiu o auge de seu desenvolvimento em 1985, quando chegou a ter 626 lojas, das quais 76 hipermercados, espalhados por 18 estados brasileiros e três continentes.
Em termos de diversificação, o grupo chegara a 40 empresas, várias delas nascidas para complementar o varejo, como publicidade, imobiliária, transportadora, consultoria de marketing, construtora; outras atuando nos ramos financeiro, turismo, agropecuária, concessionárias de veículos e restaurantes.
Aos 73 anos em 1986. Seu Valentim tinha o sonho de fazer uma sucessão tranquila, esperando que fosse apenas o prolongamento da situação há anos estabelecida: todos os filhos como acionistas da empresa.
Ele na presidência do Conselho de Administração da Sociedade e os filhos homens na direção executiva.
Conforme a tradição e por causa da experiência adquirida como superintendente do Grupo, Abílio, o mais velho, seria seu substituto natural.
“Mas a cizânia substituiu a tradicional harmonia do clã. Primeiro de forma velada, depois em público, as diferentes concepções dos filhos sobre o comando do Grupo deslizaram para a participação acionária de cada um e acenderam uma disputa que bateu à porta dos tribunais em 1993 e só não chegou a julgamento porque se alinhavou um acordo no dia da audiência”
Com o Plano Collor, em março de 1990 o grupo enfrentou seu pior momento. Abílio resumiu a situação ao dizer que “nessa hora, vi a morte da empresa de perto”
Para enfrentar as dificuldades a CBD – Companhia Brasileira de Distribuição tomou medidas drásticas.
Recorreu a um empréstimo internacional e decidiu vender tudo o que não tivesse ligação direta com o varejo. Ao encerrar o ano, o Grupo previa fechar mais de cem lojas e cortar 36% do quadro de funcionários, apenas para minorar o prejuízo, que foi de 32 milhões de dólares.
Uma consultoria externa, a Consemp, de Gerald Reiss e Andréa Calabi e um novo diretor superintendente ajudaram Abílio a prosseguir na dolorosa reestruturação do grupo, cuja cúpula, bem menor, voltou a ocupar a antiga e primeira sede do Pão de Açúcar, na avenida Brigadeiro Luiz Antonio. Dizia o fundador, “agora, é mudar ou morrer”.
Para tanto, o Pão de Açúcar vendeu ao Unibanco seu banco múltiplo, o BPA, fez seu primeiro leilão desde o início da Doceria, oferecendo um lote de 50 imóveis espalhados pelo Brasil – lojas, casas, terrenos, galpões comerciais e industriais que não estavam sendo utilizados. Catorze foram negociados, gerando 5,7 milhões de dólares para investimentos.
Retomada do crescimento
Ao longo de todo processo de reestruturação, Abílio contou com a colaboração de seus filhos Ana Maria, diretora de Marketing e João Paulo, diretor de Patrimônio.
Eles participaram, junto com Abílio, Viana e seus consultores externos das longas reuniões de redesenho do Grupo, tendo atuação decisiva na reconstrução desde 1991. Entretanto, a briga pelo controle acionário ainda não acabara.
Nova crise eclodiu em 1993, quando o fundador ultimava negociações com os filhos, menos Alcides que vendera suas ações há tempo, objetivando transformar Abílio em sócio majoritário. O processo prolongou-se por cerca de um ano, quando Arnaldo, Vera e Sônia retiraram-se da empresa, vendendo suas ações para os pais.
Estes redistribuíram as ações compradas e o lote de que já dispunham, transformando-se em minoritários. Mesma condição da caçula Lucília, a única que permaneceu, mas sem intenção de participar da administração.
Nos dois embates familiares, o fundador apostou todas suas fichas em Abílio e saiu-se vitorioso.
A nova estratégia de crescimento do Grupo apoiava-se em dois vetores: crescer apenas em mercados onde o Pão de Açúcar já estava operando e investir sempre no treinamento do pessoal, para assegurar um excelente atendimento a seus consumidores.
Abílio era municiado de informações econômicas e análises por uma equipe de jovens e talentosos professores da FGV-Eaesp, que ele reuniu no Pão de Açúcar.
Esse departamento de análise econômica produzia relatórios e estudos — como hoje fazem bancos e corretoras no mercado financeiro —, além de manter um excepcional banco de dados sobre a economia brasileira e internacional.
No final de 1994 os dados mostravam que o grupo estava reduzido em menos da metade, isto é, tinha 217 lojas e 20.363 funcionários, mas as vendas por metro quadrado haviam crescido 136% e o faturamento batia o recorde do grupo, chegando a 2,05 bilhões de dólares.
Em 1995 o Pão de Açúcar estava apresentando média de vendas de 742 dólares por metro quadrado, contra os 292 de 1989.
Era a hora de voltar a se capitalizar, Abilio aproveitou o bom momento e emitiu ações tanto na Bolsa de Valores de São Paulo como na de Nova York.
Crescimento por aquisições.
Depois de comprar a rede Barateiro, acrescentando 32 lojas, todas localizadas em São Paulo. Duas outras aquisições somaram-se a esta através da compra de três lojas da Rede Millo’s Comercial Carajás, o grupo obteve a concessão para operar três supermercados da SAB, em Brasília. Outras 13 lojas gerenciadas pela G. Aronson foram arrendadas, 12 delas localizados em shopping centers.
Em agosto de 1999 a empresa anunciou a aliança estratégica com o Grupo Casino, rede francesa de supermercados, com faturamento de US$ 15,1 bilhões nesse ano e presença em oito países. Na América Latina, o Casino está associado a companhias de varejo na Argentina, Colômbia, Uruguai e Venezuela. Pelo acordo, “o Grupo Casino pagou mais de 1,5 bilhão de dólares por 24% das ações da empresa com direito a voto.
Em 2005, foi criada uma nova holding, e o controle do Grupo Pão de Açúcar passou a ser compartilhado: 50% para Abilio, 50% para o grupo Casino. Em 2007, o Grupo se unia ao Assaí Atacadista, ingressando de vez no mercado do “atacarejo”.
Enquanto a família perdia espaço, veio o baque em março de 2008: Valentim havia morrido aos 94 anos, vítima de falência múltipla de órgãos.
Ao mesmo tempo em que a família lidava com o luto, a operação de aquisições continuou a todo vapor. Em 2009, a rede Ponto Frio foi comprada. No mesmo ano, o Pão de Açúcar se uniu às Casas Bahia, tornando-se no maior grupo de distribuição da América Latina.
Pelo acordo com os franceses da Casino, Abilio continuaria na presidência do conselho até 2012, todavia, em 2011, Abilio quis romper o acordo com o Casino, propondo um negócio com o Carrefour.
Tinha o apoio do BTG Pactual e a propalada promessa de um aporte do BNDES. A disputa foi aos tribunais e em 2013, após acordo, Diniz deixou sua cadeira no conselho do Pão de Açúcar.
Ainda que a família Diniz não esteja mais atuante no GPA, a raiz continua viva: a sede do grupo segue sendo no mesmo endereço da doceria fundada por Valentim.
Com a venda do Pão de Açúcar para o Casino, em 2012, Abílio comprou uma participação no grupo Carrefour, também francês e também gigante do setor, maior rede de supermercados do Brasil.
Ao morrer, Abílio era vice-presidente do Conselho de Administração do Carrefour, no Brasil. O empresário brasileiro detinha a segunda maior participação acionária da rede francesa, logo atrás da família fundadora do gigante de varejo.
Para finalizar deixo essa entrevista de Abilio para o Roda Viva em 1987 , que impressiona pelos pontos de discussao nao terem mudado muito:
Muito bom!